quinta-feira, 1 de outubro de 2009

O Fórum, o laico e o canto


Por Rafael Peçanha de Moura*


O Fórum Municipal de Cultura, finalmente, aconteceu. De todas as críticas possíveis dirigidas a ele, as mais incoerentes seriam sobre sua riqueza e democracia: 40 entidades da sociedade civil participando do seu Comitê Gestor, em reuniões públicas e amplamente divulgadas, trouxeram à tona uma série de debates, ideias, projetos e discussões. Por isso, portanto, seria injusto traçar um panorama geral das sementes espalhados pelo Fórum na última quinta e sexta-feira.

Acima de tudo, serve o Fórum recém ocorrido como objeto de estudo social/sociológico interessantíssimo. Gostaria de me filiar a um tema aparecido surpreendentemente, e que com certeza foi o que mais esquentou as discussões. Num ambiente em que se esperava o calor de discussões por causa do retorno ou não da Secretaria de Cultura, o que explodiu mesmo foi a necessidade da cidade discutir a questão religiosa. Como afirma Roberto da Matta, “os pingos de chuva caem do céu sem que os queiramos”, e assim, os dados da sociedade aparecem, ainda que façamos previsões contrárias.

Obviamente, a grande discussão foi sobre o Estado Laico, enquanto característica da forma de Governo democrática na qual o Estado não toma partido de nenhuma religião. Antes de tudo, uma pergunta: o que é ser laico? A França, berço da revolução e dos ideais de laicismo estatal, possui em seu idioma duas palavras diferentes para o adepto do laicismo: layman (leigo) e laique (laico). De igual maneira, podemos pensar que existem duas formas de um Estado ser laico: a forma includente a forma excludente.

A forma excludente é aquela onde o Estado, por ser laico, se mantém afastado de toda e qualquer manifestação religiosa, não deixando que as crenças e seus símbolos participem da estrutura social. O extremismo dessa posição tem acarretado atitudes como a do governo francês de Sarkozy, que impede mulheres de utilizarem nas ruas a burka, símbolo religioso muçulmano, bem como crucifixos cristãos nas escolas do Estado. Ou seja: em nome do Estado Laico, a liberdade religiosa é tolida, e a democracia vira absolutismo outra vez.

A forma includente é aquela onde o Estado, por ser laico, entende que sua estrutura deva respeitar e incluir todas as religiões. Já que não cabe ao Governo assumir posições religiosas, todas as religiões devem ser tratadas e incluídas igualmente na sociedade. O extremismo dessa posição tem acarretado em atitudes como a do Governo do Estado do Rio de Janeiro, que, com a lei 3459 de 2000, instituiu o ensino religioso confessional nas escolas públicas. Com aulas de religião, ainda por cima divididas em acordo com as diversas crenças, temos um fenômeno de heroísmo político: além dos especialistas em educação, que já se acham, em geral, salvadores da humanidade, o Estado também se acha super-poderoso, trazendo para ele a responsabilidade de um ensino que não está entre suas atribuições legais contemporâneas, ferindo a democracia tanto quanto a França de Sarkozy.

O Brasil hoje (Cabo Frio segue esse bonde) tem uma mistureba política dessas duas tendências de laicismo estatal. Os crucifixos ainda permanecem nos Fóruns (não os de cultura, mas os judiciários) e nas Câmaras Municiais, onde as Sessões ainda são encerradas em nome de Deus. O Estado Laico brasileiro tem partidos que assumem opções religiosas e governantes que se elegem em nome de suas instituições de culto. Somos uma salada de tendências religiosas de organização estatal, e as discussões sobre o Estado Laico, no Fórum de Cultura ou em qualquer lugar, sempre caminharão por essas duas estradas, a includente e a excludente, que se entrecruzam e confundem tanto as rodovias tupiniquins quanto as cabofrienses. Dificilmente alguém vai “estar errado”: acontece, em geral, que cada um segue (ou cai no extremismo de) uma das duas linhas de laicismo estatal, e como ainda não definimos quem somos nesse ponto, a confusão de identidade passa a ser geral.

Esse foi apenas um dos muitos debates do Fórum Municipal de Cultura, construídos (o Fórum e os debates) com polidez, seriedade, e acima de tudo, pensando a cidade acima do indivíduo. Como diria João Nogueira, que também preferiu não se isolar, mas sim fazer parceria com Paulo César Pinheiro para compor o belíssimo Canto do Trabalhador, “vamos trabalhar sem fazer alarde/Pra pisar com força o chão da cidade/A vida não tem segredo/Quem sentado espera a morte é covarde/Mas quem faz a sorte é que é de verdade/É só acordar mais cedo.”


* Pós-Graduando em Sociologia Urbana pela UERJ

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