É impossível estabelecermos uma análise única a respeito do fenômeno da cultura. Particularmente, propomos aqui um caminho de compreensão que trataremos como as sete faces da cultura. Sabemos que outras tantas podem ser somadas a essa visão. Esperamos, contudo, que sirvam não como resposta, mas como trilhas, indícios para novas reflexões. A primeira face está intrinsecamente ligada ao gênero humano. É a compreensão da cultura como condição antrópica. Até que se prove o contrário, somos a única espécie capaz de mediar nossa relação com o mundo através do campo simbólico. Isso nos abre portas para além da constatação física do que nos cerca, inundando de sentidos a existência coletiva. E são esses conjuntos de sentidos construídos que dão à cultura a sua face educativa. Essa dimensão é caracterizada pela possibilidade de compartilhar e negociar esses referentes através das relações de ensino e aprendizagem. E elas vão muito além da formalidade dos bancos escolares, estando presente desde tempos em que os sapiens davam seus primeiros passos rumo à sua bem sucedida epopeia adaptativa. Ou seja, isso vale tanto para os livros didáticos, como para a transmissão oral dos mitos fundadores, em sociedades ágrafas. O conteúdo dessa transmissão é outra face visível do fenômeno cultural, entendida como manifestação. Ou melhor, manifestações, pois o plural é mais adequado às diferentes formas simbólicas. Dessa forma, cabe falar de cultura na oralidade, nas artes plásticas, nas artes literárias, pictóricas, musicais... A manifestação materializa a cultura e a deixa exposta ao intercâmbio coletivo. E na coletividade, a tomamos em sua outra face, que é a de organizadora da vida social. Mesmo as leis que nos regem são produtos de cultura. Afinal, o que julgamos ser moralmente correto ou justo, são critérios construídos em milhares de anos de relacionamento social. As formas como nos comportamos, como nos vestimos,o que consumimos ou deixamos de consumir, nossas posições, ideias e comportamentos estão fortemente ancoradas em crenças tidas como verdadeiras, mesmo que sejam verdades provisórias, que aprendemos, aderimos ou descartamos ao longo da vida. Por isso,também se entende a cultura como patrimônio. A melhor escola para essa face da cultura vem da Alemanha, em que Kultur é tomada como tal. Não se trata de um produto acabado e guardado para a transmissão simples e direta, mas sim um conjunto cumulativo de saberes, signos e sentidos, os quais a sociedade compartilha como herança a ser deglutida, transformada, e que seja marca indelével de uma historicidade que não se completa na finitude humana. Por fim, a cultura tem também sua face política. Muito se fala de “política cultural”, ou coisas parecidas. Isso mostra o quanto a cultura está imersa nas relações de poder. Seja na imposição do que um grupo dirigente considera como verdadeiro, seja na justificação de práticas particularmente ligadas ao domínio social e econômico, o termo pode ser evocado e utilizado. Mas a face política pode nos dar o anverso dessa moeda, ao ser capaz de potencializar a pluralidade, inclusive entendendo a cultura como produto do trabalho humano. Mas ao invés de ser mais uma etapa das opressivas relações de produção, ela pode ser instância de liberdade, de troca e por que não de desenvolvimento, cujo valor não seja atrelado ao uso prático, mas passível de consumo existencial.
* Professor Uiversitário e Coordenador do Projeto Cabo Frio Cidade Viva
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