sexta-feira, 31 de julho de 2009

Diário de viagem




José Eduardo dos Santos
PARTE III
Por Ítalo Luiz Moreira *



Os pais levavam os seus filhos, e ficavam irritados. Ele se divertia muito com toda essa situação, ele não estava nem aí.

Fora isso ele inventou um diretor para assumir a direção da peça, era um Marketing, o nome do diretor Caius Náfter que chegou até mesmo dar várias entrevistas por telefone nos programas de rádio, jornais, o cara na grande verdade era amigo dele do Rio de Janeiro e como acabara de acontecer a tragédia das Torres Gêmeas nos Estados Unidos, numa dessas entrevistas perguntaram ao nosso diretor - entre aspas-o que ele achava da tragédia. Reprodução fiel:

Quando a arte acaba, quando a filosofia não faz mais sentido, quando a política fracassa, quando a história aperta o freio, o terrorismo equivale a dizer: eu existo. O terrorismo equivale a gritar eu estou vivo.

O cara dizia que era tunisiano, que veio ao Brasil para montar esse espetáculo, após uma seleção com vários atores na Capital. Ele tinha selecionado quatro atores, que por sinal eram Cabofrienses. Foi uma das maiores mentiras de que já participei na história da minha vida. E pior, eu tinha que confirmar quando as pessoas vinham-me dar parabéns, por eu ter participado do teste, ter passado, que elas faziam questão de ir até o Teatro Municipal de Cabo Frio, antes da nossa temporada no exterior. Era uma doideira, as mentiras iam aumentando, ele fazia questão que a gente confirmasse tudo. Na grande verdade não era só o espetáculo que era um deboche, o Zé era debochado. Às vezes quando eu discutia com ele, ele simplesmente ficava rindo, ou quando eu ficava irritado com alguma coisa ele apenas ria... Eu acho que o Zé era a única pessoa com quem eu realmente não conseguia brigar, porque ele não dava confiança. Em certos momentos ele dizia: vai trabalhar meu irmão, deixa de falar besteira vai trabalhar, claro sempre rindo com ar de deboche. Assistir a uma peça com Zé era muito legal, mas quando ele estava chapado de cerveja e as peças eram de Anderson Maclaveis ele ria muito, eu nem sei se o Anderson ficava chateado, mas era complicado assistir as peças do Anderson com Zé.

Eu acho que a gente passava mais tempo no Teatro do que em casa. Durante uma folga, que saímos cedo eu levei minha esposa para tomar uma cerveja na Praça de São Cristóvão durante aquele período de montagem. Assim que cheguei na Praça Zé apareceu, parecia que a gente tinha marcado encontro. Ele sentou-se à mesa, Carmem já estava chateada com esses ensaios. Mas quando dois homens de teatro se encontram não tem jeito, começamos a falar sobre o espetáculo, então minha esposa interrompeu dizendo ah! Não. Aqui não! Já não basta vocês ficarem juntos o tempo todo, agora que estou aqui vocês vão falar de teatro! Minha esposa olhou pra mim e disse: faz o seguinte, vai morar com ele, casa com ele, faz amor com ele. Zé simplesmente olhou, pensou, olhou... Se ele quiser, eu tenho uma vaga lá em casa. Olhando direito, sabe que ele não é feio? E começou a rir, mas o humor da minha esposa não estava pra peixe naquele dia. Ele pediu licença, foi embora rindo, Carmem ficou completamente irritada, ele tinha essa capacidade. Quando Zé morreu de forma violenta, a classe artística foi surpreendida por esse fato. Jamais iremos esquecer a brutalidade da morte do Zé,

DO SEU ASSASSINATO ARTÍSTICO E FÍSICO NUMA AGRESSÃO URBANA. A SENSAÇÃO QUE TENHO É QUE A MORTE DO ZÉ FOI O PRENÚNCIO DE UM ARAUTO EM SUAS ANTÍFONAS TRAZENDO PASSAGENS TRÁGICAS DA VIDA HUMANA. OU SEREMOS PERSONAGENS DE FILMES DE TERROR? OU DE UMA TRAGÉDIA DE MAU GOSTO? ESSES SERES ÀS AVESSAS SURGEM DA VELHA ROMA ONDE OS BÁRBAROS COM SEUS TRAJES DE GALA TRANSITAM ENTRE TANTOS COMO HEROIS. “SEREMOS OS VILÕES DESSA VELHA ARISTOCRACIA EM PLENA METRÓPOLE DO SECULO XXI”. ENTÃO! APLAUDIMOS OS ILUSTRES ALGOS A EXECUTAREM NOSSAS VIDAS COMO TRAÇAS OU VERMES QUE SOMOS. POR ISSO EU BRINDO À BARBÁRIE DESSA VELHA SOCIEDADE QUE EMERGE AOS OLHOS PAGÕES DOS NOSSOS GOVERNANTES.

Até hoje ninguém viu, ninguém sabe quem matou José Eduardo dos Santos, o fato, é que ele morreu novo, cheio de projetos, deixando uma lacuna no movimento teatral da nossa cidade. Ele disse antes de morrer que o próximo espetáculo iria me colocar pendurado no teto do teatro, que eu iria voar, pois eu seria SININHO (Peter Pan).Eu não tinha a menor dúvida. Perdemos uma criatura talentosa que contribuiu muito para o Movimento Teatral de Cabo-Frio. Sem arrogância de uns que andam por aí a vomitar asneira, sem eira, sem beira, DANDO RECEITAS EM JORNAIS COMO SE FOSSEM OS DOUTORES DA CULTURA CABOFRIENSE. O Zé na simplicidade de um Samuel Becktt transcendia os muros da nossa cidade.



* Ator, Diretor de Teatro e Draumaturgo

Um comentário:

Ravi Arrabal disse...

Zé Eduardo era um grande homem.
Muitas saudades deste cometa criativo que passou por nós.
Muito bom seu texto Ítalo, apesar de considerar, no último parágrafo, que o texto em capitular é desnecessário e repleto de uma hipocrisia velada que beira o ridículo.
Fora o lamentável final, parabéns!